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Desabafo

Esse texto não faz parte do enredo de "A Menina e o Sábio". Como o próprio nome diz, é um desabafo.

Ler tem se tornado uma tarefa difícil. Não por conta do cansaço, e sim devido ao número de vezes que as palavras “proibidas” aparecem ao decorrer da leitura. Como o próprio nome já diz – proibidas –, são palavras que não “pertencem” a meu vocabulário. São junções de sílabas que não consigo falar em voz alta ou escrever em uma página em branco. Como não consigo usá-las, vou apenas explicar que as palavras proibidas se referem àquelas que caracterizam situações ruins ou que remetem a fatos históricos. Quando me deparo com alguma dessas palavras, tento resistir ao impulso de lavar as mãos e o rosto, mas, até eu ceder, meus pensamentos não me deixam em paz. Eles dizem: “Você está poluída, vá lavar as mão! Lave o rosto também! E não se esqueça de despoluir a área onde está”. É tão angustiante que, mesmo que eu continue – bravamente – por algum tempo, não consigo me concentrar 100% nas palavras que estão diante dos meus olhos.

Semana passada, terminei de reler um livro que fez parte da minha adolescência, “Garoto encontra garota”, da Meg Cabot. Lembro-me muito bem do ano em que me aventurei pelo mundo de Kate e Mitchell pela primeira vez. Foi em 2009 – antes de o T.O.C. virar – completamente – minha vida de cabeça pra baixo. Naquela época, não existiam palavras proibidas. Não existia pensamento obsessivo. Não existia lavar as mãos compulsivamente a ponto de feri-las. Existia apenas uma menina que gostava de ler e que se divertia com cada nova história desbravada. Se eu soubesse que aquela leitura faria parte do “último bom momento”, será que minha eu adolescente teria aproveitado um pouco mais cada segundo daquela história? Ou será que a menina que existia em mim estaria preocupada demais com a iminente tempestade infeliz para se concentrar no livro? Acredito que a resposta certa para essa pergunta é: não saber é muito melhor. Se eu estiver errada, me avisem! Voltando a história do livro, o que aconteceu foi o seguinte: Domingo estava determinada a termina-lo. Não são tantas páginas assim e a história flui bem, além de ser uma leitura bem fácil e para adolescentes. Nunca pensei que a tarefa seria tão difícil. A quantidade de vezes que levantei para lavar as mãos, o rosto e para “purificar” o ambiente, me deixou extremamente estressada. É cansativo demais repetir o mesmo processo de novo e de novo e de novo. Pior ainda é saber que quanto mais eu cedo aos meus pensamentos obsessivos, mais forte o T.O.C. se torna. Acredite em mim, o alívio de lavar as mãos não duram cinco minutos. Quando você menos esperar, estará no banheiro repetindo a mania pela quinquagésima vez. Não vale à pena.

Eu não sei exatamente o que me levou a escrever esse desabafo, mas agora que estou terminando, me sinto melhor. Não sei se vocês sabem, mas já existe muita pesquisa acessível por aí – incluindo livros como “Expressive writing, words that heal” – que demonstra de maneira elegante que escrever sobre aquilo que faz mal é uma forma de lidar com a situação. Como a minha psicóloga gosta de dizer, é uma forma de “elaborar” o problema. Por isso, se vocês ainda não encontraram uma maneira de praticar a resiliência, escrevam! Faz um bem danado!   


 

 

Comentários

Amanda disse…
Muito bom
Bianca disse…
Muito bom! Sei que a briga é constante com transtornos como o T.O.C. , mas nunca desistir sempre foi o ponto em que és forte! Escrever sempre faz bem à alma, e me deixa feliz saber que apesar da leitura estar passando por um momento ruim, a palavra escrita ainda acha maneiras de alegrar.
Chaconerrilla disse…
Obrigada, Bi! É sempre uma alegria vê-la nos comentários. Me incentiva a continuar escrevendo!
Quemilla disse…
Muito brava Carolzita! Em escrever sobre o assunto e compartilhar teus desabafos conosco. E como sempre, é um prazer ler teus textos!
Renata disse…
Parabéns por escrever tão bem, e pela coragem de compartilhar sua luta. Você é maravilhosa, Carolzinha! Amo seus textos.
Chaconerrilla disse…
Obrigada, Quemilla! Fico tão feliz em ver você por aqui. Continuarei compartilhando minhas batalhas. Talvez assim eu consiga ajudar outras pessoas.
Chaconerrilla disse…
Renatinhaaaa! Muito obrigada pelas palavras! Gosto tanto quando consigo traduzir meu amor pelas palavras através dos meus textos.
Alice disse…
Cacá, admiro muito seu dom de conseguir compartilhar essa sua luta diária por meio da escrita, você escreve extremamente bem!!! Além de admirar demais sua força e coragem!! :)
Chaconerrilla disse…
Liloquinha, obrigada por essas palavras tão lindas. Comentários assim - tão cheios de carinho - me motivam a compartilhar mais experiências. Obgd mesmo! Volte sempre!
Thamara Pan disse…
Carolzinha, minha irmã de alma!!!! Que texto potente... por alguns instantes pude sentir a angústia de vivenciar situações assim. Mas como disseram lindamente no comentário acima, apesar da briga ser constante, você é uma lutadora brilhante e seus textos exprimem isso. Minha admiração por você e pela sua arte vão ao infinito e além!
Escrever é uma forma de resistência. Passar para o papel, além de ser uma forma de auxiliar na nossa mudança interna, também pode ajudar a modofixar a vida de muitas pessoas que, por ventura, venham a ter contato com suas palavras. A representatividade é necessária e, expondo seu interior, suas batalhas, suas dores e angústias com o T.O.C., você com certeza estará representando em suas linhas muitas outras pessoas que são acometidas por ele.
Você é uma inspiração! Te admiro das dia mais!!!!
Chaconerrilla disse…
Thamarinha, obrigada pelas palavras. Me tocaram o coração. Fico muito feliz em poder compartilhar e, quem sabe assim, ajudar pessoas que passam por situação parecida. Escrever é uma forma maravilhosa de lidar com o que nos sufoca. O papel é um grande amigo. Acho que todo mundo deveria experimentar transformar dor em poesia. Faz muito bem.

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