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O sentido da vida e um pouco de matemática financeira

Goiaba é sempre uma homenagem ao meu irmãozinho de quatro patinhas que se foi em 2022. Wintinho, eu te amo e sempre te amarei. Você é parte importantíssima de mim. Estamos com muita saudade, meu menininho sabido!


Sexta-feira, 19 de Março de 2010

 

            Depois de mais um dia de aula, Lívia e Francisco foram para a casa dela. A Menina explicava ao Menino como fazer as questões da prova de matemática que ele errara. Os dois dividiam o birô do quarto de Lívia. Goiaba, o irmãozinho de quatro patinhas da Menina, tirava um cochilo na cama da irmã bípede do meio. Ele parecia perceber que só teria atenção toda para si mais tarde.

– Não acredito que você usou Bhaskara para responder a segunda questão. Por que não fez por soma e produto?

– Soma e produto? O que é isso? – A expressão de reprovação no rosto de Lívia fez Francisco rir.

– O professor já resolveu várias questões por soma e produto. Em que mundo você estava enquanto ele anotava a resolução de todos esses exercícios no quadro?

– Provavelmente em um mundo em que a matemática não existe...

– Que mundo triste! – O Menino achava engraçado como a Menina levava como ofensa pessoal o fato de outras pessoas não gostarem de matemática ou não apreciarem tanto quanto ela. – Não sei se você merece conhecer o fantástico mundo de soma e produto!

– Mereço sim! Ou você, minha Lilica, quer que eu fique abaixo da média no reteste? – Perguntou Francisco. A Menina sorriu ao ouvi-lo chamá-la pelo apelido carinhoso pouco utilizado e esqueceu quase na mesma hora que o Menino não compartilhava com ela o amor pela matemática.

– Tudo bem! Só porque eu não quero vê-lo tirar cinco novamente! – O resultado da primeira prova de matemática da turma da Menina e do Menino fora um desastre. Apenas Lívia e outro estudante ficaram acima da média. Por conta disso, o coordenador decidiu reaplicar o exame uma semana depois, no dia 26. – Não tem nada a ver com “Lilica”.

– Nada, é? Tem certeza? – O Menino puxou a cadeira da Menina mais para perto e deu um beijo na namorada. – Eu acho que tem alguma coisa a ver sim! – Os dois aproveitaram mais uns minutinhos antes de voltarem às questões. Quando terminaram de resolver a prova, Francisco foi fazer exercícios extras para o reteste e Lívia decidiu revisar as anotações da aula de geografia. Ela mordia o lápis quando Francisco perguntou: – Amor, você acha que a vida tem sentido? – A Menina parou a leitura, olhou para o Menino e depois para a lista de exercícios que ele tinha a frente (na tentativa de enxergar a questão). Como não conseguiu, ela disse:

– Que questão é essa que você está resolvendo? – Brincou Lívia. Francisco riu.

– É um exercício sobre juros simples e compostos...

– Isso explica tudo. – Dessa vez, os dois riram juntos. Francisco, então, explicou melhor o que tinha em mente.

– Ultimamente, tenho pensado bastante nisso. Independentemente do que nós façamos, tudo acaba. Nada fica. Então, qual é o sentido de estar vivo? Qual é o sentido de tudo isso?

– E precisa ter sentido? Viver não é suficiente? – Perguntou a Menina, surpreendendo o Menino.

– Você acha que não tem?

– Não sei! Talvez tenha, talvez não. – Respondeu Lívia. Então, ela compartilhou a conversa que teve com a Avó Materna sobre o tema: – Quando perguntei a Vovó Berenice, aos doze anos, qual era o sentido da vida, ela me respondeu exatamente isso...

– Aos doze anos? Sempre muito precoce essa minha Lilica. – A Menina sorriu.

– É uma questão muito pertinente para uma pessoa de doze anos. – O Menino riu. – Voltando a Vovó, ela me perguntou se precisava ter sentido, se viver não era suficiente... – Francisco refletiu um pouco sobre aquelas palavras.

– E você aceitou essa resposta assim tão facilmente? – Lívia riu.

– Lógico... – A Menina fez uma pausa – que não! Fui pesquisar a respeito. – O Menino riu mais uma vez.

– E o que você achou?

– Como faz muito tempo, lembro-me apenas de ter lido que não existe consenso sobre essa questão. – A Menina parou por um instante para mudar de posição na cadeira. – Eu não sei qual é o sentido da vida (se é que ele existe), mas, depois de refletir por algum tempo, acho que a Vovó tem razão. Viver deveria ser suficiente. Querer descobrir coisas novas sobre si mesmo. Aprender com os próprios erros e tentar evoluir como pessoa. Compartilhar momentos com as pessoas que amamos. Com você. Tudo isso me parece mais do que suficiente. – O Menino sorriu ao ouvir aquelas palavras. Francisco deu um beijo em Lívia, sendo correspondido por ela. Quando eles se afastaram, um nome veio à mente da Menina – Schopenhauer...

– Quem?

– Schopenhauer. – Repetiu a Menina. – É um dos filósofos que fala sobre o sentido da vida. Foi um dos nomes que achei quando fui procurar a respeito. – A Menina ainda estava incomodada com a posição na cadeira.

– Senta no meu colo, amor! – Disse o Menino, puxando a Menina para si – Assim, a gente senta na cadeira que estou e põe as pernas na que você está. – Lívia não resistiu e se aconchegou no colo de Francisco. A Menina apoiou a cabeça em seu peito e o Menino a envolveu em um abraço – O que ele diz? – Perguntou Francisco, retomando a conversa.

– Que não há sentido.

– Só isso?

– Até chegar a essa conclusão, existe um longo caminho a ser percorrido. Confesso, no entanto, que não entendi bulhufas do que ele diz. Fiquei apenas com as considerações finais. – O Menino riu. – Sejamos justos comigo, eu só tinha 12 anos. – Dessa vez, os dois riram. – O que te fez pensar tanto assim no sentido da vida? – Perguntou a Menina.

– Provavelmente, o tédio. – Brincou Francisco. Lívia riu. – Parece tão estranho pensar que tudo o que é construído ao longo de uma vida desbotará até, no final, desaparecer por completo. Parece tudo tão inútil! – A Menina refletiu um pouco sobre aquelas palavras antes de responder:

– Parece mesmo! – Disse a Menina. – No entanto, ainda sim, acho que vale muito à pena desfrutar cada minuto dessa jornada, mesmo que no final da vida não haja propósito algum na nossa existência; mesmo que todas as histórias vividas sejam esquecidas e apagadas pelo tempo e pelo fim.

– Acho que não seremos nós os responsáveis por descobrir se a vida tem sentido ou não...

– E, se tiver sentido, não seremos nós que revelaremos ao mundo qual seria...

– Decepcionante! – Nesse momento, Goiaba despertou de seu cochilo depois de ouvir um som conhecido. Então, ele se levantou e saiu do quarto. Ele escutou a voz do Pai da Menina e foi atrás de petiscos deliciosos que ele tanto merecia. A Menina e o Menino riram.

– Muito decepcionante... – “Lamentou” a Menina. – Mas não desanimemos. Apesar de não termos encontrado o sentido geral (final) da vida, nós podemos descobrir o sentido menor, as coisas que dão sentido a vida em escala pessoal.

– E qual seria esse sentido menor para você?

– Bem, alguns dependerão da fase da vida, outros durarão toda a minha trajetória. No momento, contribuir significativamente com a construção do conhecimento matemático faz a vida ter total sentido para mim. E para você?

– Ajudar os pacientes que atenderei como médico daqui a alguns anos a recuperarem o bem-estar é um deles.

– E qual seria o próximo? – Perguntou a Menina.

– Ajudar os nossos três filhos... – Respondeu o Menino

– Só três? Quero quatro! – Francisco riu.

– Quatro, então! – Foi a vez de Lívia rir. – Ajudar os nossos quatro filhos a realizarem os próprios sonhos me parece algo que dá sentido a vida.

– E depois ajudar os nossos netos.

– Será que nossos filhos quererão ser pais? – Perguntou o Menino.

– É uma boa pergunta. Se eles não quiserem, teremos outras coisas que nos darão sentido. Como faltam muitos anos, deixemos essa preocupação para depois.

– Justo!

– Sabe o que mais nessa lista de coisas que dão sentido a vida? – O Menino não respondeu. Ele esperou a Menina voltar a falar. – Cuidar do meio ambiente, participar ativamente na recuperação da natureza para que as gerações futuras possam desfrutá-la. Falando nisso, você viu o novo projeto da prefeitura sobre educação ambiental?

– Vi sim! Você quer participar?

– Você topa?

– Lógico que sim! Com você, eu topo tudo. – A Menina sorriu.

– Eu também. 

– Amor, se você tivesse que decidir entre a vida ter sentido ou não, em qual dessas opções você apostaria todas as suas fichas? – Perguntou o Menino. A Menina pensou um pouco antes de responder.

– Apostaria que não há sentido. – A resposta da Menina surpreendeu o Menino.

– Por quê?

– Talvez a vida seja apenas uma consequência da “Lei dos números realmente grandes”.

– “Lei dos números realmente grandes”?

– Isso! “Essa lei afirma que, se há alguma possibilidade de que algo aconteça, independentemente de quão pequena seja a probabilidade, deve acontecer em algum momento”1. – Explicou a Menina. – Se considerarmos que a estimativa para a idade do universo está na casa dos bilhões de anos, faz sentido que a vida tenha surgido como consequência de determinada probabilidade. – Então, os dois passaram um tempo considerável em silêncio até Lívia voltar a falar:

– Qual a questão de juros que você estava resolvendo? – Brincou a Menina. Ela sabia que o Menino não falava sério quando respondeu “sobre juros simples e compostos”, mas queria saber que besteira ele responderia. – O que ela perguntava? – O Menino pensou um pouco antes de responder.

– Era uma questão de múltipla escolha. Uma questão muito importante. O exercício queria saber se o sentimento de Lívia por Francisco cresce a taxa de: (letra a) juros simples ou (letra b) juros compostos. – A Menina demorou um tempinho para fazer mistério.

– Resposta: letra C! Nenhuma das alternativas anteriores. – Respondeu a Menina. O Menino mudou de posição de repente para olhar a Menina nos olhos.

– Então, quer dizer que o seu sentimento por mim não cresce?! – Francisco parecia ofendido. Lívia riu.

– Ele cresce, mas nem sempre em regime de juros simples, nem sempre em regime de juros compostos. – O Menino franziu o cenho. – Você se lembra das fórmulas de juros simples e juros composto? – Francisco assentiu. – O “t” dela refere-se ao tempo, certo? – O Menino fez que sim com a cabeça. – Em um período de tempo menor que um, é mais vantajoso adotar o regime de juros simples. Quando o tempo é igual a um, não faz diferença o regime escolhido. Já em um período de tempo maior que um, escolher o regime de juros compostos é mais vantajoso.

– Então, considerando que estamos juntos há um ano e dez meses e que a taxa é de 10% ao ano, é melhor escolhermos juros compostos?

– Na verdade, pode ser melhor do que isso. Podemos usar juros simples ou compostos para a parte unitária (um ano), já que não faz diferença quando o tempo é igual a um, e juros simples para a parte fracionária (10 meses). Existe uma fórmula para isso, mas não veremos até o final do terceiro ano.

– Você foi pesquisar porque achou o tema interessante. – Concluiu o Menino.

– Você me conhece muito bem. Merece um beijo por isso.

– Só um? – O Menino ganhou mais do que um. Quando eles se afastaram, Francisco perguntou: – Será que podemos tirar um cochilo de 50 minutos? Estou cansado depois de pensar tanto sobre o sentido da vida. – Lívia riu.

– Eu também.

– Hora da soneca então. – O Menino se levantou com a Menina nos braços e foi em direção à cama dela. Não demorou 15 minutos para os dois adormecerem. Um pouco depois disso, Goiaba voltou ao quarto da irmã bípede do meio com o seu buchinho insaciável cheio de petiscos deliciosos (não existe nada melhor do que ser mimado pela família, não é mesmo?). Ao perceber que Lívia e Francisco dormiam um sono não tão profundo, Goiaba decidiu que queria fazer parte daquele cochilo em grupo. Ele subiu na cama da Menina e se deitou no meio dos dois, sendo acolhido por eles. Goiaba ganhou carinho na barriga de Lívia e depois de Francisco. Ele estava em seu paraíso particular.

 



 

 

Comentários

Danielle disse…
Conto Lindo, adorei. Tudo da vida está nesse conto. Tudo na vida inclui a matemática. Parabéns!!!
Chaconerrilla disse…
Amei que você gostou! Agradeço pelo tempo e pelo comentário! Faz tudo valer a pena!
Alice disse…
Amei esse conto!!! A matemática é linda demais :)
Chaconerrilla disse…
Muito obrigada, Liloquinha e a Matemática é realmente linda! Tudo nela é fascinante! Volte sempre!

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