Mais um desabafo sobre o TOC. Espero que gostem! O texto não está
completo, mas queria publicá-lo mesmo assim como forma de contar aos poucos
esses mais de 15 anos de luta contra o transtorno. À medida que eu for atualizando,
informarei por aí...
Olá, Cacá de 2008!
Aqui quem
fala é Cacá de 2023/2024. Não sei bem como começar esta carta. Escrevi e
apaguei várias vezes o que gostaria de dizer. A primeira coisa que talvez seja
útil falar é que você nunca estará sozinha. Sua família e seus amigos sempre
estarão ao seu lado. Então, fique tranquila quanto a isso. Você passará por uma
reviravolta inesperada. A partir de 2008, o transtorno obsessivo compulsivo
(TOC) transformará a sua vida por completo. Você deixará de fazer coisas que
gosta por conta de pensamentos obsessivos e começará a repetir uma série de
comportamentos compulsivos para neutralizá-los. Não dará certo. Quanto mais
você ceder aos comandos desses pensamentos, mais você ficará refém deles. As
coisas piorarão de verdade na metade para o fim de 2009 e chegarão ao clímax em
2010 – ano do seu vestibular. Pois é! Parece que não tinha época melhor para
acontecer... No início do último ano do colégio, as coisas estarão muito ruins.
Não se assuste! Suas notas serão horríveis e as manias ganharão cada vez mais força.
Terá um momento em que você não conseguirá, inclusive, entrar no seu quarto ou
andar no carro dos seus pais. Não conseguirá sentar no sofá da sala e passar
pelo corredor será uma missão difícil. Pois é! É pior do que você imagina. Em
determinado período, a desesperança tomará conta do seu coração a ponto de você
implorar ao Céu para ir embora. Ele não atenderá as suas súplicas (e você será
grata por isso quando as coisas melhorarem). Retornar para casa a pé também
será uma dor de cabeça. Você terá que dar uma volta enorme para fugir de todas
as bancas de revista e de todos os pontos que vendem jornal. Também terá que
desviar de todas as locadoras que aparecerem no caminho. O problema das bancas
se estenderá para as novelas, filmes, séries e dramas que você assistir! Isso
porque alguns cenários do audiovisual terão bancas como pano de fundo. Você
ficará apavorada com a possibilidade de os jornais e revistas expostos ali
serem de verdade e não apenas elementos cenográficos produzidos somente para as
cenas. Por isso, toda vez que você vir exemplares nas prateleiras (mesmo que de
longe) das bancas fictícias, você se despoluirá (aliás, essa será uma pergunta
que você sempre terá vontade de fazer aos diretores: vocês usam revistas e
jornais reais? Infelizmente, você não terá a quem perguntar e nem tentará
enviar mensagem para um deles). Você lavará as mãos tantas vezes que elas
ficarão feridas. E não para por aí! Você passará tanto tempo com as mãos
fechadas, segurando o escapulário e um anel (que tem o “Pai nosso” em espanhol),
que seu dedo mindinho ficará um tanto torto e, além disso, muitos anos depois
de você superar essa mania, você ainda sentirá a presença do anel e certo
incômodo na articulação. Aqui, é válido compartilhar uma história! Você pedirá
ao Padre de uma igreja próxima a sua casa para benzer seu escapulário – na
esperança de ter uma proteção extra. Como o escapulário em questão trará a imagem
de São Marcelino Champagnat e não a de Nossa Senhora, o Frei em questão não
será muito receptivo ou acolhedor, o que deixará a sua Avó muito chateada. Tão
chateada a ponto de ela arrumar confusão com ele por não ajudá-la em um momento
de tanta vulnerabilidade. Seus ouvidos também não sairão ilesos. Para tentar
estudar sem pensar em coisas ruins, você colocará a música no volume mais alto.
Como consequência disso, será recorrente ouvir alguém pedir para você falar
mais baixo. O pior é que, para ler algum conteúdo, você demorará muito mais tempo do
que o normalmente necessário, o que implica dizer que você passará tempo
considerável com a música no maior volume. Isso porque, toda vez que você pensar em algo considerado
ruim, você voltará ao início da página. Falando em estudar, acompanhar o
conteúdo das disciplinas será complicadíssimo! Existirão tantas palavras
“proibidas” no seu vocabulário que ler os livros didáticos e paradidáticos não
será tão fácil como era antes de tudo isso acontecer. Aliás, manter uma
conversa com qualquer pessoa será realmente muito estressante, porque as
palavras que tanto te assustarão e tanto te angustiarão são palavras quaisquer
para todas as outras pessoas ao seu redor. Não será possível (e você também não
tentará) impedi-las de usá-las. Por isso, você sempre esperará o diálogo acabar
para ir lavar o rosto, as mãos e tudo o mais que achar necessário. Abraçar os
seus amigos e familiares será algo que você detestará por todo esse tempo e
será extremamente desconfortável nas vezes que não houver saída. Afinal, como
você saberá se eles tocaram ou não em um jornal, em uma revista? Como você
saberá se eles estavam na frente de uma televisão ou de um computador vendo
filmes inspirados em histórias reais e horríveis ou lendo alguma notícia
terrível nas horas vagas? Não terá como saber. A questão de tocar em outras
pessoas será ainda mais complicada quando envolver desconhecidos. Uma vez, por
exemplo, em um dia de muita chuva e alagamento, você precisará de ajuda para
passar pela calçada. Um estranho oferecerá a mão para ajudá-la e, sem saída,
você aceitará. Ao chegar em casa, você contará ao seu pai o ocorrido e ele irá
tranquilizá-la sobre a impossibilidade de você se tornar uma pessoa ruim por
conta disso. Ele dirá que uma pessoa que ajuda outra em uma situação difícil
não terá como ser alguém ruim. Você aceitará de bom grado o argumento, mas,
mesmo assim, lavará as mãos só para garantir a sua “segurança”. Seu TOC não
afetará apenas a sua vida, mas acabará atrapalhando a vida das pessoas que você
mais ama. Por não conseguir fazer tantas coisas por conta das várias limitações
impostas pelos seus pensamentos obsessivos, você não tirará a sua carteira de
habilitação quando completar 18 anos. Lembra que eu disse que seu transtorno
afetará os demais? Pois é! Essa é uma das questões! Sem carteira de motorista e
sem conseguir entrar em táxis e em ônibus (por medo de se tornar uma pessoa
ruim), seus pais, seu irmão, seu primo e seu avô se revezarão na tarefa de
deixá-la e buscá-la na faculdade. E, infelizmente, essa dependência durará toda
a graduação. Para piorar a situação, em determinado momento seus pais
precisarão trocar de carro com os seus avós, porque você simplesmente não
conseguirá entrar no de automóvel de vocês depois que uma notícia terrível (que,
felizmente, eu não me lembro de qual é) for noticiada pela rádio. Para não
dizer que as coisas sempre serão ruins, suas amigas da universidade tirarão a
carteira de motorista, e você poderá pegar carona todas as vezes que elas forem
e voltarem de carro. Você será muito grata por isso. Durante o primeiro período
da faculdade (em Março de 2011), você sentirá muita angústia ao precisar
assinar a ata de presença de aula. Isso porque você não conhecerá aquelas
pessoas e não saberá se elas são ou não alguém bom ou ruim. Na verdade, o
problema da ata estará relacionado, mais especificamente, a um colega, que sua
mente insistirá em dizer que é uma pessoa muito ruim (essa não é exatamente a
palavra que sua mente repetirá, mas eu simplesmente não consigo escrever o
adjetivo – ou seria substantivo – que eu gostaria) (mas, calma, em pouco tempo,
você descobrirá que é totalmente o oposto). Outro problema recorrente será a
presença de jornal na secretaria do centro de ciências biológicas (CCB) e em
outros locais como a biblioteca e a Xerox da Universidade. Também haverá
jornais em algumas aulas práticas de briófitas (inclusive, você será monitora dessa cadeira durante dois períodos
consecutivos e, para não tocar nos jornais, você falará para a professora
responsável e para os alunos que é alérgica ao papel do jornal). Você também
terá dificuldade em sentar nos bancos do CCB. Isso porque as pessoas sempre
colocarão os pés em cima deles como se não fosse nada demais (e, na verdade,
para a maioria das pessoas, não é mesmo – aqui o problema é provavelmente só
seu). Você entrará em um grupo de pesquisa em 2012 e enfrentará alguns
desafios. Primeiro: para acessar a sala destinada aos alunos, você terá que
passar antes pela copa/secretaria. O problema é que, nesse ambiente, existirá
um computador que frequentemente estará em páginas da internet de notícias
ruins. Você não terá como pedir para a secretária diminuir a aba só para passar
sem medo. Não me lembro de como você fará para se livrar dessa situação em
todas as vezes que ela aparecer, mas posso garantir que você dará um jeito.
Aliás, é bom deixar claro que você encontrará formas de enfrentar essas
desventuras. O problema é que, na maioria das vezes, você fará manobras em sua
mente criativa que não te ajudarão a superar essas manias, apenas farão o
transtorno ficar mais forte. Segundo: você terá que participar de experimentos
que utilizarão jornal como “proteção”. Será HORRÍVEL! Para não precisar passar
por isso mais vezes, você passará a comprar papel toalha hospitalar (não sei se
é esse o nome) para cobrir a mesa de experimento (como eu disse anteriormente,
existirão algumas manobras de “não enfrentamento” para ajudá-la). Terceiro:
você emprestará suas coisas para outras pessoas e terá que “despoluí-las”
depois que elas devolverem. Isso porque seus colegas de laboratório não saberão
que seu material não pode entrar em contato com o chão. Quarto: depois dos
procedimentos experimentais, você lavará as mãos não uma ou duas vezes, mas até
sentir que elas foram realmente despoluídas (você perderá muito tempo nisso) –
acho importante dizer que a pia se tornará um problema, porque você sentirá
dificuldade em tocá-la, afinal a água poluída entrará em contato direto com ela
e representará um perigo para sua segurança. Sua orientadora tentará fazê-la parar
com isso, mas não dará muito certo. Você resistirá apenas momentaneamente,
porque, no caminho de volta para a sala dos estudantes, você pedirá licença e
retornará ao banheiro para lavar as mãos novamente, quantas vezes forem
necessárias para diminuir a ansiedade (o alívio, no entanto, será apenas
momentâneo, como você perceberá ao longo desses mais de 15 anos convivendo com
o TOC). Pararei por aqui por enquanto para você absorver e processar/elaborar
tudo o que precisar, mas ainda tenho muita coisa para contar. Ainda estamos em
2012...
Com carinho,
Cacá de 2023/2024.
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