Sobre lembrar que os erros não anulam os acertos
- Você viu o que ele fez? Aquele f*****?
– Gritou Francisco, inconformado com a situação. Ele encostou a testa no
armário, tentando se acalmar. Depois, fechou os olhos e respirou fundo. Ele e
Lívia estavam no ginásio do colégio, em frente aos lockers.
- Vi! Eu não sou cega. Aliás, foi
difícil não escutar a confusão. Qualquer um a dois quilômetros de distância
ouviria os gritos... - Respondeu Lívia de maneira ácida.
- Você está irritada comigo? – Perguntou
Francisco, olhando nos olhos de Lívia pela primeira vez desde que essa confusão
começara. - Como você ainda defende esse menino, caramba? – Indagou Francisco,
antes que a namorada pudesse pensar em responder a primeira pergunta. Por isso,
Lívia respondeu apenas à segunda:
- Se todo mundo aponta os erros dele,
por que eu não posso ser a que lembra o quanto ele também já acertou? – O
semblante de Francisco era uma mistura de raiva, incredulidade e vergonha,
vergonha de si, e não dela. Ele estava confuso sobre como absorver o que Lívia
falara. - Pra que eu vou reforçar a ideia do quanto ele é ignorante, grosso,
etc. para com os outros se todo mundo repete isso todo santo dia? Eu não sou
cega, nem idiota. Já presenciei situações que, honestamente, preferiria
esquecer. E essa é uma delas... - Ela parou por um instante, esperando
controlar a raiva. - Se eu acho que foi extremamente grosseiro da parte dele?
Acho sim! Foi desnecessário... Mas isso não apaga o que ele fez de bom. Não
apaga as vezes que ele foi gentil. Não apaga os dias que ele se dispôs a
ajudar. – O semblante de Francisco parecia mais calmo, mas os sentimentos
daquele momento brigavam dentro de si para entender qual deles tinha mais
razão. Mas será que existe razão no meio de uma briga de emoções controversas?
- Às vezes, eu tenho a impressão de que a gente tem essa mania de valorizar
mais os erros do que os acertos. Não importa se a pessoa estava lá ao seu lado
100 vezes, se ela não esteve contigo uma única vez, pronto, f****, você já não
pode contar com ela para nada.
- Mas essa não é a primeira, nem a
segunda vez que ele faz isso...
- Você escutou o que eu disse? Eu não
sou cega, nem idiota. Eu sei de todas as histórias que circulam por aí sobre
ele. Todo mundo sabe. Aliás, como eu não lembraria se você não me deixa
esquecer...
- Eu não... – Agora, a raiva ganhava a
guerra interna das emoções do Menino.
- Eu ainda não terminei. – Interrompeu
Lívia, sem paciência. – Você tem todo o direito de ficar irritado com as
atitudes imbecis que ele tem. O problema é seu. Mas não insista na mesma tecla,
não me dê 800 motivos pelos quais eu não devia gostar da companhia dele. Não
repita o mesmo conselho – de que eu devia me afastar dele – mil vezes. Minha
amizade com ele não me deixou cega. – Tanto Lívia quanto Francisco, os dois já
tinham perdido toda a paciência que tentavam, há um minuto, não deixar escapar
pelos poros. - Então, se você acha que eu não enxergo as atitudes egoístas e
grosseiras dele, não perca o seu tempo, e, principalmente, o meu tempo. – Lívia
pegou a bolsa largada no chão e foi embora antes que os dois perdessem a razão.
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