Dedicado a Eduardo, meu primeiro amor, que, infelizmente, nos deixou cedo demais alguns anos atrás. Posso dizer que ele era um cara que fazia, sem dificuldade alguma, os outros rirem e sorrirem. Espero que você esteja em paz! Também gostaria de dedicá-lo a Wintinho, meu irmãozinho de Quatro Patinhas, que nos deixou em Outubro de 2022. Ele, sem sombra de dúvida, foi a maior inspiração para criar Goiaba e Bartolomeu. Por fim, esse conto também foi feito para os meus Avós maluquinhos Waldemir e Denise, cujo amor perdurou até o final da vida. Foram mais de 50 anos de união. Eu sei que vocês estão brigando aí no Céu por comida... Parem com isso!
Aproveito este espaço para agradecer do fundo do meu coração a Zacarias, meu outro Vovozinho amado, que me contou como era a vida de um adolescente no final dos anos 40 e início dos anos 50. Fiz o meu melhor para tentar traduzir as histórias que ele compartilhou comigo.
No final da tarde de um dia, hoje,
distante, quando a luz do sol já se despedia dos habitantes para dar lugar à
luz das estrelas, a Menina movimentava os pés, sem deixar o chão de terra, para
fazer o balanço ir para frente e para trás. Naquela hora e naquele dia
específico não havia ninguém na pracinha abandonada da cidade. De vez em
quando, ela gostava de sentar naquele balanço gasto para pensar na vida. Às
vezes, a Menina encontrava o avô, porque, assim como para ela, aquele lugar era
especial para o mais vivido da família Oliveira. Eles nunca visitavam aquele
lugar no mesmo dia e na mesma hora. Portanto, era função do acaso determinar
quando seria o próximo encontro. Quando o avô chegou àquele esconderijo não tão
secreto assim, ele sorriu ao ver a neta.
– Que acaso fortuito, minha Pequena Estrelinha. – A Menina
sorriu. O Avô sentou no balanço vazio ao lado e cruzou as pernas na altura do
calcanhar. As mãos seguravam as correntes laterais com força – uma medida de
segurança considerada necessária.
– Seria o caso de uma serendipidade, então. – Os dois
mantinham o olhar fixo na Mascote da cidade, um cãozinho vira-lata de
meia-idade. Ele roía um ossinho que ganhara mais cedo da Menina, ignorando
completamente a presença de seus companheiros de momento. Toda vez que Haroldo
e a Neta visitavam aquele lugar, Bartolomeu aparecia para completar o cenário.
Talvez, a pracinha abandonada também guardasse memórias inesquecíveis daquele
serzinho de quatro patinhas.
– Justo.
– Que bons ventos o trazem a esse paraíso não tão secreto? –
Perguntou a Menina, estendendo os braços e girando o corpo por poucos segundos para
indicar aquele lugar esquecido pelo tempo.
– Goiaba. Ele passou a última meia hora me fazendo jogar
aquela bola que faz muito barulho para longe. Não consegui avançar dez páginas daquele livro sobre as
vidas secretas do cérebro. – A Menina riu. – Vocês mimaram demais esse
integrante peludo. Ele tem certeza que é um ser humaninho.
– Esperto demais esse meu irmãozinho de quatro patinhas. Sabe
aproveitar a vida como ninguém. O senhor deveria ter orgulho do seu único neto
quadrúpede que, desde pequeno, sabe o que realmente importa. – Foi a vez de o
Avô sorrir.
– E você? O que faz aqui? Francisco ainda está no Congresso?
– Perguntou o Avô. A Menina assentiu. Os dois passaram um tempo em silêncio,
imersos em pensamentos diferentes. O celular do Avô tocou. Era a esposa.
Desajeitadamente, ele atendeu o telefone, colocando a ligação no modo viva voz
sem querer.
– HAROLDO, EU SAIO DOIS SEGUNDOS DA SALA E VOCÊ SOME!? PARA ONDE
VOCÊ FOI? ESPERO QUE NÃO ESTEJA GASTANDO DINHEIRO COM COMIDA DE PROCEDÊNCIA
DUVIDOSA! – Antes que ele pudesse responder, Bernadete fez mais várias
observações consideradas, por ela, bastante pertinentes. Haroldo, por sua vez,
escutou tudo com atenção. Não apenas ele, mas a Menina também pôde ouvir tudo o
que a Avó dizia. Cada nova observação que Bernadete fazia (e que o Avô levava
muito a sério) roubava um sorriso da Menina. Era bonito testemunhar um amor que
perdurava – que existia há mais de 50 anos. Depois de alguns bons minutos,
Bernadete repetiu a pergunta feita anteriormente de uma maneira diferente: – Onde
você está? – O Avô olhou nos olhos assustadoramente claros da Neta (herança que
ele também passara para o único Filho e para o Neto Mais Velho, o irmão da
Menina) sem saber se deveria falar a verdade. Antes que pudesse se decidir, no
entanto, ele ouviu a esposa dizer: – Você não está naquela praça abandonada,
está? Já disse que é perigoso ir sozinho. Você não tem mais idade para tantas
aventuras. – Haroldo voltou a olhar para frente e, antes de responder a
pergunta, juntou toda a confiança (e um pouco de graça) que tinha para
convencer Bernadete de que estava seguro:
– É claro que tenho. Estou com tudo. Os 80 são os novos 50...
– Como sabia que a esposa continuaria preocupada, entretanto, ele acrescentou:
– Estou com a Estrelinha.
– Oi, Vovó! Ele está seguro. Pode confiar em mim... –
Garantiu a Menina. – E ele tem toda razão: está com tudo mesmo! Os 80 são os
novos 50! – Essas últimas palavras fizeram o avô sorrir de orelha a orelha. Depois
de alguns segundos de hesitação, Bernadete se rendeu:
– Tudo bem! Em você, eu confio... Não demorem! – Do outro
lado do telefone, Goiaba começou a latir, o que chamou a atenção de Bartolomeu.
Ele largou o ossinho, que, até o momento, ocupava toda a sua atenção, olhou ao
redor e, como não viu nenhum companheiro, voltou ao dever. – Acho que alguém
aqui sabe com quem estou falando...
– Oi, Goiaba! – Gritou a Menina. O irmãozinho de quatro
patinhas latiu mais algumas vezes em resposta. Bartolomeu mais uma vez procurou
de onde vinham aqueles latidos, mas nada encontrou. Por isso, decidiu que o
ossinho era uma opção mais interessante. A Avó pediu que o cãozinho se
acalmasse e desligou o telefone.
– Obrigada, Estrelinha! Sua Avó se preocupa demais. Passa muito
tempo assistindo aos noticiários. Não sei como aguenta! A maior parte das
notícias não é boa.
– Acho que essa preocupação constante vem de brinde quando
gostamos de alguém, né Vovô? – Refletiu a Menina.
– Você também se preocupa muito com Francisco? – Ao ouvir o
nome do Namorado, a Menina sorriu e depois sentiu saudade por ele estar longe.
– Talvez um pouquinho... – A Menina indicou a quantidade com
os dedos, aumentando devagarzinho até chegar ao limite. O Avô riu. A Menina
também. – O Senhor finge ser mais tranquilo que a Vovó, mas fica nervoso quando
ela demora a atender o celular. Nem pense em dizer que não. Eu leio seus
pensamentos. – Brincou a Menina, voltando a olhar nos olhos do Avô.
– Tudo bem. Eu admito! – A Menina riu com a confissão. – Mas
que isso fique entre nós dois. Preciso manter minha reputação...
– Vovô, o senhor não engana ninguém.
– Acredito no que me convém... – O celular da Menina apitou.
Era mensagem de Francisco. O mesmo sorriso sincero de antes iluminou o rosto da
Neta de Haroldo mais uma vez. Enquanto a Menina lia a mensagem, o Avô passou um
tempo admirando a beleza do céu. Ele sempre imaginava que outras pessoas
estariam, assim como ele, observando aquela imensidão acima em momentos como
aquele...
– Vovô, olha a foto que Francisco me enviou. – A voz da
Menina trouxera Haroldo de volta a realidade! O Avô se esticou para conseguir
enxergar a imagem – Parece cansado, né? Eu disse para ele que descansar também
é importante... – Enquanto a Menina falava, Haroldo sorria. O amor acontecia em
todas as idades. Disso, ele tinha certeza. – Vovô, o Senhor está me ouvindo?
– Estou sim! Descansar também é importante...
– Muito importante. – Enfatizou a Menina.
– Concordo! É tão importante quanto estudar...
– É exatamente o que eu digo quase todos os dias, mas ele
não me escuta...
– Ainda bem que você só se preocupa um pouquinho. – Brincou
o Avô, imitando o gesto que a Menina fizera para dimensionar o nível de
preocupação que sentia alguns minutos atrás.
– Só um pouquinho! – “Confirmou” a Menina. Os dois riram. –
Outro dia, vi um anúncio na TV de um jogo que Francisco quer muito, muito,
muito, e a primeira coisa que pensei foi: “preciso tirar foto e enviar para ele”.
Acredita que o safado me ligou na mesma hora? – O Avô riu. – Aparentemente, é o
jogo do ano.
– Imagino que conversar sobre jogo deve ser bastante
interessante. – A Menina riu.
– Eu sempre compenso depois. Passo bons minutos falando
sobre matemática.
– Justo!
– Mas ele não me ligou para falar só do jogo... Um pouco
antes de receber a mensagem, ele viu um chapéu na vitrine de uma loja e achou a
minha cara. E quando eu perguntei como era, ele respondeu “você sabe que tem um
gosto questionável... Então, o chapéu tem essa estampa duvidosa e colorida que
provavelmente não combina com nada”. – O Avô segurava o riso com dificuldade. A
Menina fez uma careta de chateação para protestar. – Que moral ele tem para
falar das minhas roupas? Ele joga videogame! – Em momentos assim, Haroldo tinha
certeza de que ser avô era a melhor coisa do mundo.
– E o que uma coisa tem a ver com a outra?
– Tem tudo a ver, Vovô. Considero um detalhe bastante questionável
da personalidade dele.
– E quando ele volta do Congresso?
– Um dia antes do meu aniversário, dia 19.
– Falta menos de uma semana, então.
– SIM! – Gritou a Menina. – Finalmente! Como será esse
chapéu? Estou tão curiosa! Com certeza não é nada duvidoso e combina com muitas
peças de roupa! – O Avô riu, acreditando secretamente no que Francisco dissera
sobre a aparência peculiar do acessório.
– Já decidiu como vai comemorar mais um ano de vida? Ou vai apostar
no óbvio? Jantar no restaurante da sua mãe?!
– Francisco disse que esse ano a programação é por conta
dele. Parece que ele tem uma ideia genial preparada. – A Menina estava muito
empolgada e faltavam poucos dias para o grande dia. – Quando ele me contou que
estava planejando algo diferente para o meu aniversário, disse o seguinte: “não
tem como dar errado. Eu te conheço nos detalhes, inclusive naqueles pequenos e
inúteis detalhes”. – O Avô sorriu. Ele era testemunha do quanto a Neta e o Neto
Postiço se amavam. Acompanhava os dois de perto desde que começaram a namorar e
acreditava no que eles sentiam um pelo outro e no futuro que poderiam ter
juntos. Além disso, observá-los fazia Haroldo visitar o passado, passear pela
época em que começara a namorar Bernadete, um tempo precioso que guardava em
seu coração com carinho e que amava recordar. – Quer ouvir uma confissão
inesperada, Vovô? – Perguntou a Menina, falando mais baixo que o normal, como
se a confissão fosse segredo, o que deixou o Avô curioso. Ele assentiu. – Esses
detalhes, pequenos e inúteis, sempre me pareceram importantes. É como se você
soubesse, ao reconhecê-los pela primeira vez, que realmente conhece esse outro
alguém profundamente, em um nível que poucas pessoas são capazes de acessar. –
As palavras da Menina fizeram o Avô lembrar-se de um dos detalhes de Bernadete.
– Faz sentido, Vovô?
– Com certeza faz, minha Pequena Estrelinha! Quer saber um
dos meus detalhes preferidos da sua Avó? – A Menina assentiu de maneira
empolgada. – Ela sempre faz bico quando quer dizer algo, mas sente que não
deve. Em algumas ocasiões, nas mais difíceis eu diria, ela coloca a mão na boca
para impedir as palavras de saírem indevidamente. – Respondeu Haroldo.
– Eu faço algo similar. – Confessou a Menina. – Francisco
diz que eu mordo o lábio inferior com força e que meu olhar fica disperso, como
se eu estivesse debatendo internamente se devo ou não falar. – A Menina riu ao
lembrar-se de uma história. – Segundo ele, na época do colégio, isso acontecia
com frequência quando a discussão envolvia a resolução de uma questão de prova.
– O Avô riu. Ele sabia que a Neta era muito inteligente e bastante estudiosa, e
que ela não gostava de ficar calada quando a explicação dada sobre determinada
coisa que ela, de fato, conhecia estava incorreta. – Em minha defesa, é
extremamente perigoso deixar uma informação falsa ser difundida por aí.
– E isso é válido para qualquer situação. Não apenas para
matéria de colégio. – O celular da Menina apitou novamente ao receber duas
mensagens de Francisco. Dessa vez, ele enviou uma foto do Céu “indo dormir” seguida
de uma mensagem que trazia uma das frases que a Menina mais amava repetir: “se
você estiver longe, olhe para cima! O meu Céu é o mesmo que o seu. Não existe fronteira.”. Ao terminar
de ler aquelas palavras, a Menina olhou para aquela imensidão de cor indefinida
(o tom indecifrável do final do dia/início da noite) e sorriu ao imaginar o
Namorado fazendo o mesmo. O Avô também parou para observar a noite despertar
para seu turno que estava prestes a começar.
– O Céu está lindo!
– Está mesmo. – Concordou Haroldo.
– Que saudade de você, meu amor! – Depois de um tempo em
silêncio, a Menina perguntou: – Vovô, o que o Senhor fazia quando sentia
saudade da Vovó? – A Menina deixou o Céu em segundo plano e olhou para o Avô,
curiosa para saber mais sobre o passado dele. Ao ouvir a pergunta, Haroldo
também deixou o Céu de lado e sustentou o olhar da Neta. Ele e Bernadete
começaram a namorar muito cedo, aos 15 anos. Na época, não existia celular e o
telefone fixo ainda não estava presente na maioria das casas da cidade do
interior em que moravam.
– Quando eu tinha a sua idade? – A Menina assentiu. Ele
passou alguns segundos procurando no baú de memórias que mantinha dentro de si
para responder a pergunta da Neta da maneira mais completa possível. – A cidade
onde morávamos era tão pequena que ir de um lugar a outro levava pouco tempo.
Nada era longe o suficiente para demorar mais de 30 minutos a pé. A casa de sua
Avó, por exemplo, ficava a dez minutos da minha. Sempre existia a possibilidade
de namorar no portão. Quer dizer, sempre é um exagero. Não podíamos abusar.
– Namorar no portão? – A Menina riu.
– Nós também podíamos ir ao cinema. Não sozinhos, não apenas
os dois. Sempre acompanhados pela irmã mais velha de sua Avó. – A Menina imaginou
como seria se as coisas ainda fossem da mesma forma. Miguel teria que
acompanhá-la todas as vezes que saísse com Francisco. Seria, no mínimo,
estranhíssimo. – Além dessas possibilidades, existia o nosso ponto de encontro
preferido: a praça.
– Uma praça que nem esta? – Perguntou a Menina, curiosa,
fazendo o Avô sorrir. Enquanto isso, Bartolomeu, que já finalizara com sucesso
a missão de roer o ossinho, escutava com atenção a conversa de Avô e Neta. Ele
sabia que não podia ir embora antes dos dois. Afinal, mesmo que não
oficialmente, era função sua protegê-los.
– Maior. Muito movimentada. – Haroldo nunca mais visitara o
lugar que tinha sido seu lar durante toda a infância e a adolescência, e se
perguntava se muita coisa tinha mudado desde então. – Deixe-me contar um
segredo que poucas pessoas conhecem: toda boa cidade do interior tem uma praça
e essa praça fica exatamente na frente da Igreja matriz.
Comentários
Deusa escritora, amei o conto e quero mais!