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Sufoco


A Menina, o Menino, os amigos e os familiares comemoravam o final das férias escolares na casa de praia dos pais dela. No último dia da viagem, uma parte da tripulação decidiu que estava na hora de tirar a poeira do barco e aproveitar o presente que o tempo oferecia - uma manhã a favor das aventuras. Infelizmente, o dia iluminado pelos raios contagiantes de sol foi interrompido quando a Menina desapareceu aos olhos dos outros. Ela não estava em nenhum lugar do barco. Alguém alertou que, segundos antes, viu a Menina molhando os pés na água. O Menino e o Pai dela se olharam nos olhos, entendendo o que esse alguém queria dizer. Sem pensar muito, e tentando manter a calma – afinal, fazia apenas alguns segundos que ela desaparecera - os dois foram para lados opostos do barco e mergulharam. Se fosse possível sentir o que a Menina sentia, os dois escutariam:
“Estou afundando. Não consigo respirar. As lágrimas transbordam ou só há água do mar? Não posso gritar. Desaprendi os movimentos. Estou paralisada. Tenho medo. O pavor me deixaria gelada se não estivesse já debaixo d'água. 1, 2, 3... Quantos minutos já se passaram? O tempo parece congelado. ‘Alguém me ajuda!’, quero gritar, mas não posso. Preciso fechar os olhos por conta do sal da água do mar, mas não sei como fazê-lo. Não há saída. As ideias me deixaram.
Nada.
Nada.
Branco.
Branco.
Silêncio.
Silêncio.
Inércia.
Inércia.
Socorro.
Socorro.
Para onde foi todo mundo? Não tinha mais gente aqui comigo? Estou sonhando? Ou seria melhor definir como pesadelo? Se for, não consigo acordar. Meus olhos finalmente parecem ter controle novamente.
Mas...
Não...
Sinal...
Escuridão...
Luz...
Escuridão...
Alguém...
Escuridão...
Mão...
Escuridão...
Puxão...
Escuridão”
            A Menina abriu os olhos no final da manhã do dia seguinte. Meio desorientada, ela olhou ao redor e encontrou o Pai dormindo no banco ao lado enquanto segurava sua mão esquerda. Nem os irmãos, a mãe ou o Menino estavam por ali. A Menina voltou a fechar os olhos e dormiu mais um pouco. O esforço para mantê-los abertos parecia muito para aquele momento. Quando voltou a abri-los, no meio da tarde, o Pai permanecia sentado ao seu lado, mas, desta vez, estava desperto, apesar de as olheiras dizerem o contrário. Ela não disse uma palavra, tentando ainda recordar o que acontecera, onde estava e por que o Pai parecia tão apreensivo e cansado. Demorou pouco mais de um minuto para ele perceber a filha acordada. Talvez fosse às poucas horas de sono mal dormidas ou as horas mal vividas enquanto a filha do meio não parecia querer acordar. Talvez fosse um pouco dos dois e algo mais. Quando deu por si, estava em pé, ainda segurando sua mão, com os olhos abertos e as sobrancelhas erguidas. Depois do susto inicial, ele voltou a sentar. As lágrimas não pediram licença e desciam por suas bochechas copiosamente. O Pai tentou falar, mas o choro contido, durante todo aquele tempo que estivera sentado esperando por ela, não permitiu. A Menina se assustou em um primeiro momento, mas depois que flashes do dia anterior tornaram-se finalmente conscientes, lágrimas caíram descontroladamente uma atrás da outra. A lembrança de não poder fazer nada fez seu peito doer. Ela tentou levantar para abraçar o Pai, mas não conseguiu:
- Fique deitada. Você não pode fazer esforço. – Pediu, agora um pouco mais calmo e muito mais aliviado.
- Eu não conseguia me mover. – Explicou a Menina, o desespero em sua voz ficando evidente. – Eu não conseguia me mover. – Repetiu. Quando tentou falar as mesmas palavras mais uma vez, o pavor de quem não soube o que fazer transformou-se em choro desconsolado, alto, daqueles que, para transbordar toda a dor sufocada, parecem precisar fazer barulho. A Menina cobriu os olhos com a mão direita, tentando esconder o desespero do som de suas lágrimas. O Pai deixou o banco e sentou na beira da cama para poder abraçar a filha que, desta vez, conseguiu levantar com a ajuda de seu Velho Marujo. Ele pediu que ela chorasse o quanto quisesse, mas que mantivesse os olhos abertos para pôr os sentimentos para fora, ao invés de internalizar aquelas lembranças dolorosas. Apesar do pedido do Pai, a Menina não conseguiu mantê-los abertos. Por isso, ela não viu quando o Menino apareceu na porta do quarto onde estava com a irmãzinha de um ano e meio, dormindo um sono profundo, no braço. Ao vê-la desperta, uma onda de alívio percorreu seu corpo. Algumas lágrimas, em uma mistura de preocupação indo embora e alegria chegando, molharam seu rosto. Depois daquelas horas de espera, o aperto no peito, a sensação de estar sufocando foram embora. Agora o oxigênio parecia suficiente para que ele pudesse respirar. Ainda com a caçula da família da namorada nos braços, o Menino voltou à sala de esperar para deixar os dois a sós. A mãe e o Irmão Mais Velho da Menina pareciam ter acabado de entrar naquela ala do hospital.
- Lívia acordou. – Contou o Menino, visivelmente emocionado. A Mãe da Menina colocou a mão no peito e fechou os olhos, respirando aliviada. O Irmão Mais Velho soltou um suspiro alto, como quem finalmente pode parar de prender a respiração. A caçula se mexeu nos braços do Menino, dando indícios de que estava deixando o mundo dos sonhos. Ela não entendia por que a Irmã dormia há tanto tempo, mas naquela manhã sempre que falava era para saber se “Lili” já acordara. Talvez até ela, com tão pouca idade, fosse capaz de sentir, a sua maneira, a angústia de não saber quando o futuro chegaria. Na verdade, se cada um ali presente parasse para pensar, o mesmo sentimento de não saber o que fazer - de não conseguir respirar - sentido pela Menina debaixo d’água foi semelhante ao que o Menino e a família dela sentiram enquanto seus olhos não abriam, porque como o próprio dicionário escreve “Sufocar” é: 1) tolher a respiração a; 2) asfixiar, afogar, abafar; 3) impressionar, comover, causar profundo abalo no ânimo; 4) impedir, reprimir, abafar; 5) sentir sufocação, perder a respiração; 6) afligir-se1.

1"sufocado", in Dicionário Priberam da Língua Portuguesa [em linha], 2008-2013, https://dicionario.priberam.org/sufocado [consultado em 27-10-2018].

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